Dispute Boards: a ferramenta que pode evitar a judicialização dos contratos de construção
Por Bárbara Fernandes e Lucas Cicala*
Os Dispute Boards (DBs) têm ganhado cada vez mais destaque no setor da construção civil. Seja pela propagação de seus benefícios quando devidamente utilizados, seja pelo questionamento de sua real eficiência, a grande verdade é que os DBs vêm sendo amplamente discutidos como uma solução para contratos de construção de grandes projetos, diante da natureza complexa desses contratos que historicamente carregam conflitos prolongados no Poder Judiciário e na Arbitragem, e esses litígios impactam negativamente o bom andamento dos empreendimentos, podendo, em muitos casos, levar até à total paralisação das obras.
E é nesse contexto que os DBs surgem como uma solução para esses contratos, pois seu objetivo é zelar pelo relacionamento entre as partes contratantes, visando prevenir disputas e realizar uma gestão eficiente de riscos, temas de fundamental importância em contratos complexos, onde a continuidade do projeto e a boa relação entre as partes são cruciais para a conclusão da obra.
Os DBs são comitês que devem ser formados, preferencialmente, por profissionais especializados na matéria relacionada ao contrato, escolhidos de forma conjunta pelas partes contratantes. Esses comitês, em essência, têm a função de acompanhar de perto o desenvolvimento da obra e a execução do contrato, oferecendo orientação contínua ao longo de toda a sua vigência.
Com um papel preventivo e proativo, os membros do DB trabalham para garantir que os potenciais conflitos sejam identificados e resolvidos antes que evoluam para questões que possam gerar atrasos ou custos adicionais excessivos. Sua atuação visa, sobretudo, o bom andamento da obra, buscando colaboração entre as partes para que a obra seja concluída conforme os prazos e orçamentos estabelecidos.
Assim, os DBs não atuam apenas como um método para resolução de disputas, mas como uma ferramenta que possibilita a gestão eficiente e estruturada do projeto ao longo da execução contratual.
As recomendações e decisões dos Dispute Boards, diferentemente das sentenças arbitrais e judiciais, não possuem jurisdição, não geram título executivo e são dotadas, por sua vez, de natureza satisfativa, ou seja, visam promover uma solução amigável e rápida para as partes envolvidas, garantindo a continuidade do projeto sem a necessidade de recorrer ao litígio. Embora isso signifique que as decisões do DB não sejam executáveis, seu impacto prático é de grande relevância, pois facilitam a resolução de problemas de forma tempestiva e evitam que impasses comprometam o cronograma e a execução da obra. Esse aspecto não coercitivo, mas colaborativo, torna o Dispute Board uma ferramenta eficaz para a manutenção de um ambiente de cooperação durante toda a execução contratual. Neste sentido, pode se dizer que as decisões do DB têm um caráter contratual, funcionando como uma espécie de aditivo ao contrato, que vai vincular as partes ao que foi acordado entre elas.
Sua previsão nos contratos pode seguir uma lógica escalonada, na qual o Dispute Board é formado e conduzido em um primeiro momento, e, caso a disputa não encontre solução durante o procedimento, as partes levam o conflito à arbitragem ou judiciário. Nos contratos que constam essa previsão expressa, deve-se respeitar essa sequência, em observância ao princípio do pacta sunt servanda, que reforça a obrigatoriedade do cumprimento das cláusulas ajustadas entre as partes.
A falta de elemento executivo nas decisões dos DBs faz com que o conflito possa escalar para o judiciário ou arbitragem, mas isso não significa que elas sejam desprovidas de força persuasiva ou de valor probatório. Pelo contrário, as decisões dos DBs podem ser utilizadas como elementos de convicção para solução da disputa.
As decisões dos Dispute Boards podem ser invocadas como precedentes ou como critérios de interpretação do contrato pelos juízes e árbitros, tendo em vista que os membros do DB podem ser profissionais especializados no setor da construção e que acompanham de perto a evolução do projeto e as circunstâncias fáticas que envolvem a disputa.
Portanto, todo o procedimento tem um peso significativo na formação do convencimento do julgador, podendo inclusive influenciar na distribuição do ônus da prova e na aplicação de sanções contratuais em um litígio.
No entanto, a sua efetividade depende de alguns fatores essenciais, tais como: a adequação do contrato às especificidades do projeto; a clareza e a coerência das cláusulas que regulam o funcionamento do DB; e a escolha criteriosa e consensual dos membros do DB para gerar confiança e transparência entre seus membros e as partes.
Quando esses fatores não são observados ou são negligenciados, o DB pode perder sua eficácia e sua credibilidade, gerando não só insatisfação durante o projeto, mas, em última análise, refletindo uma inutilidade como ferramenta para alicerçar eventual pleito judicial ou arbitral para aqueles que recorrem diretamente ao litígio.
A insatisfação, por sua vez, aumenta significativamente a judicialização dos contratos de construção, frustrando a finalidade dos DBs de prevenir e resolver disputas de forma rápida, amigável e eficiente, e comprometendo o sucesso do projeto.
É fundamental que as partes compreendam o papel e a importância dos DBs nos contratos de construção, e que se comprometam a utilizar essa ferramenta de forma adequada e cooperativa, visando o melhor interesse do projeto e a preservação do relacionamento contratual.
(*) Bárbara Fernandes é advogada sênior do Núcleo de Contratos de Engenharia e Construção e Lucas Cicala é advogado sênior da área Contenciosa Cível, ambos do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.